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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Crônica do TATÁ - Açaí – O enredo vitorioso da Asfaltão


Por: Altair Santos (Tatá)



Se “Itaki não podia imaginar que o açaí, o seu povo ia salvar...” (conforme o samba de enredo da escola), também impossível seria ao velho líder indígena prever, ao efeito do cachimbo ou em ritual de pajelança, lá na tribo, sequer cogitar que jamais, a jovem índia Iaçá, numa noite de carnaval, verteria de seus olhos tanta água em forma de abundante chuva, pra regar a vitória de uma escola de samba.

O Néctar dos Deuses da Floresta (açaí), com sua força protéica vitaminou os brincantes da agremiação. A energizada Asfaltão, (leia-se também: açaizada) que se diz mais forte quando invoca a bravura e a força do animal símbolo, o Tigre e se faz ungida pelos cuidados e proteção de Santa Bárbara, a padroeira do bairro sede da escola, nas imediações dos bairros Nossa Senhora das Graças, Mato Grosso e arrabaldes, teve que encarar os fatos, a tormenta, ou seja, fazer a travessia bebendo o sumo do fruto da vida, lavando o azar e espantando o olho gordo pra irromper, lá no fim da pista, onde a se faz a dispersão, com a esfinge tatuada em seu peito credenciando-a ao título.

Chorava Iaçá em pranto diluviano, enquanto a “bateria pura raça” ritmava o canto e a dança daquela procissão de cor e sabor açaí que já não desfilava e, sim, navegava aguerrida, firme e decidida, senhora de si, naquela que fora, ao instante, sua verdadeira água benta que lhe purificou os pés, as mãos, mentes e corações. Parecia a escola estar em mar, já dantes navegados, tal a sua transformação por haver se concentrado na cabeceira da pista com a noite em céu estrelado para - em menos de um quarto de hora - ter suas vestes lavadas pelo incessante e apressado pranto da índia.

A propósito, o último título da Asfaltão, ocorrera há anos (na Av Gov Jorge Teixeira), em situação semelhante. Após o desfile, a madrugada foi avançando, sem trégua da chuva. Quando o dia se fez claro veio como lembrança de ontem, uma noite de superação e magia. O registro do fenômeno acontecido abriu o dia com céu ainda nublado, mas que não se fez em chuva e garantiu a apuração dos pontos em clima de civilidade e urbanidade entre os contendores da passarela do samba.

O desenho da disputa, rabiscado no asfalto fora lavado com o lacrimejar de Iaçá perfumando o salão da festa pra quem preparou no alguidar uma conquista com sabor de Açaí, de Brasil, da Amazônia para o mundo. Parabéns!



O autor é presidente da Fundação Cultural Iaripuna
tatadeportovelho@gmail.com

A Banda, o poder público e a cultura popular - Ernande Segismundo (*)

Imagem via Google/Imagens

Assistia na noite da sexta feira de carnaval na ‘Band’ a uma entrevista do governador do Estado de Pernambuco que discorria sobre a complexa produção cultural daquele estado na área de música, das artes plásticas, da literatura, da dança, etc., concluindo que o Carnaval de Pernambuco é a síntese estética e econômica de toda a produção cultural do estado ao longo do ano.

Fiquei maravilhado com o requinte dos conhecimentos do Governador pernambucano sobre a cultura popular daquele estado e sobre as informações que detinha sobre as origens das diversas manifestações culturais daquele carnaval, como os papangús, o frevo, os caboclinhos, os maracatus de baque solto e de baque virado, o afoxé, etc.

Em Rondônia, especialmente em Porto Velho infelizmente para boa parte do Poder Público o carnaval não passa de confusão, balbúrdia e desordem. Agentes públicos envolvidos diretamente com a folia de momo desconhecem completamente os modos de criar, fazer e viver da população tradicional de Porto Velho cujos folguedos atraíram e atraem cada vez mais aqueles que para cá vieram nos diversos ciclos migratórios e que sempre foram bem acolhidos, tornando Porto Velho uma das capitais mais multiculturais da Federação.

O que afirmo no parágrafo anterior se vê claramente na postura do Poder publico em relação à Banda do Vai Quem Quer, odiada por uns poucos e amada pelas multidões de foliões que a cada ano engrossam seu cordão.

O cortejo fabuloso da Banda do Vai Quem Quer constitui a maior aglomeração de pessoas num único acontecimento na cidade de Porto Velho. Nenhum outro evento, instituição ou entidade consegue reunir tamanha multidão no Estado de Rondônia. Calcula-se algo em torno de 150 mil pessoas neste 2012, tomando-se o fato de que por volta das 19h00 do sábado de carnaval a Av. Carlos Gomes, a Rua Joaquim Nabuco e a Av. Sete de Setembro estavam completamente lotadas pelos foliões, sem contar as vias adjacentes, como Dom Pedro II que também estavam tomadas pela multidão.

Curioso que essa espetacular quantidade de gente brincando alegremente carnaval produz números irrisórios de ocorrências policiais. Aliás, o carnaval porto-velhense em si é uma festa eminentemente pacífica e tranqüila. Na larga maioria dos blocos nunca se registrou sequer uma única ocorrência policial em anos e anos de desfiles.

Não se pode negar, por qualquer ângulo que se analise, que a Banda do Vai Quem Quer, com seus 32 anos de existência, é a maior manifestação da nossa cultura popular e por isto mesmo se acha protegida pela Constituição Federal que em seu art. 215 estabelece que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

O § 1º do mesmo art. 215 estabelece ainda que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares.

A Constituição Federal prevê ainda no seu art. 216 que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver.

Com efeito, o apoio estatal para o carnaval popular de Porto Velho, especialmente para a BVQQ, mais que uma faculdade, é uma verdadeira obrigação estabelecida pela Magna Carta da República para todos os entes públicos, tais como os Poderes Executivos, o Ministério Público, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, etc.

Porém o que vemos todos os anos é o aumento exponencial de exigências cada vez mais insondáveis, inverossímeis, insolentes e estapafúrdias para a apresentação da BVQQ, sobretudo, por membros da Comissão de Grandes Eventos da Prefeitura Municipal de Porto Velho, do Ministério Público e da Polícia Militar.

Alguns Agentes públicos exigem a ferro e fogo que a Coordenação da BVQQ providencie coisas que são próprias do Poder Público, numa acintosa transferência de tarefas públicas para o particular, como a disponibilização de banheiros químicos, enorme quantidade de grades e cones para a interdição das vias públicas e já chegaram até mesmo ao absurdo de exigir que a BVQQ providenciasse a limpeza urbana do seu trajeto após o desfile, à revelia de toda a proteção que a Constituição Federal garante à livre manifestação da cultura popular.

Ao invés da perseguição desenfreada, é necessário que a BVQQ, de acordo com o que determina a Carta Magna, seja tratada de modo todo especial pelo Poder Público, assim como o é por seus foliões. A BVQQ precisa de um Projeto Cultural próprio de apoio do Governo do Estado e da Prefeitura Municipal, independente dos projetos Culturais da Uniblocos para os demais blocos do carnaval popular de rua de Porto Velho e da FESEC, isto porque a BVQQ não é apenas mais um bloco de carnaval. A BVQQ é a síntese orgânica de toda a nossa cultura popular e constitui patrimônio imemorial do nosso povo e assim deve ser tratada, com todas as suas peculiaridades.

É necessário também que o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal assumam responsabilidades maiores para com a apresentação da BVQQ em face das especificidades dessa gigantesca manifestação cultural popular.

Enquanto o Poder Público não compreender que a BVQQ é um dos maiores patrimônios imemoriais da população do Estado de Rondônia, juntamente com a Festa do Divino do Vale do Guaporé, esta singular manifestação da alegria do povo será encarada pelo viés da ignorância como uma grande confusão, balbúrdia e desordem.

Por fim, a despeito daqueles que são do contra, a BVQQ deve continuar, sob o comando da Generala Ciça e a certeza da proteção de Deus, do Estado e de todos os seus grandes foliões que já partiram como o grande cantor e compositor Babá, o General Manelão, Valverde, Paulo Queiróz, Auristélio Castiel, e muitos outros.



(*) Ernande Segismundo é advogado e orgulhoso folião porto-velhense.